Menina: Você anda sorrindo demais!
Menino: (Sorri sem graça)
Menina: Você mudou muito de ontem pra hoje.
Menino: Eu sempre sorri demais.
Menina: Mas hoje você está com um sorriso patético desde que acordou.
Menino: É que...
Menina: Eu não gosto quando fica assim, você não me dá atenção nesses dias, aliás, você não está me dando atenção já faz algum tempo, se não me engano desde aquela noite em que nos encontramos com aquele moço na estrada.
Menino: Não, faz mais tempo que não ando te dando atenção. (Sorriso amarelado da bala de abacaxi que acabou de chupar) Aliás, faz tanto tempo que já nem sei quando comecei, só sei que você nem notou isso!
Menina: (Sorri sem graça).
Menino: Mas já estou acostumando com sua falta de atenção, se tornou um conforto saber que posso fazer coisas sem você nem ao menos perceber, e quando percebe só solto meu sorriso, e vamos lá outra vez para seu discurso da Menina inconformada com o Menino, vamos parando por aqui?
Menina: Eu acho seus dentes bonitos, principalmente no verão.
Menino: (Sorri e logo segura sua mão)
Menina: Eu sempre te achei um pouco frio e calculista.
Menino: (Ainda com o sorriso da manhã)
Menina: Mas eu gosto de você, do seu jeito prático de ser, da sua maneira simples de pensar as coisas, da sua boca principalmente, dos seus olhos, acho que eles sempre me olham de um jeito reprovativo, mas eu gosto me faz pensar sobre mim mesma. Mas sabe o que mais gosto em você?
Menino: (Olhando para a fileira de formigas que passam entre os cortes do chão)
Menina: O que realmente gosto em você é seu silêncio, ele sempre está na hora certa, nos momentos em que mais preciso da sua palavra, do ar quente que sairia da sua boca, dos seus lábios rachados se movimentando, e da sua voz dura e seca me dizendo algo, mas é nesse instante que ele aparece, com sua aparência quase surreal, ele vem como um silêncio constrangedor, um silêncio que me rasga de cima a baixo, me deixando sem ação, sem fôlego, sem... sem... sem...
Menino: Você já reparou como as formigas são feias? Não sei, elas me parecem muito mais feias quando carregam coisas em seus pequenos corpos, acho que deve ser pelo esforço, nós também fazemos caretas quando carregamos algo pesado não é? Acho que é isso, afinal deve existir formigas mais bonitas, é igual ser humano, tem os bonitos e os feios, talvez essa seja uma comunidade mais feia mesmo, não é culpa delas.
Menina: É por isso que realmente gosto do seu silêncio.
(Silêncio humano, som do vento batendo nos coqueiros).
Menino: Eu nunca gostei desse vento que não para, chega um momento em que fica insuportável ver o horizonte com toda essa luta para manter os olhos abertos, até dar uns 10 minutos e eu fecho meus olhos e começo a imaginar o sol indo embora.
Menina: É estranho pensar que o sol vai voltar amanhã, sempre me perguntei por que nós não poderíamos voltar também.
Menino: Deve ser porque nós não agüentaríamos voltar todos os dias, na mesma hora, um dia ou outro é certo que iríamos nos atrasar, até o dia em que não apareceríamos nem para dar satisfação.
Menina: (Tentando manter os olhos abertos) É deve ser...
Menino: (Já com os olhos fechados) É deve ser...
Menina: (Tirando areia dos olhos) É deve ser...
Menino: (Com os olhos ainda fechados, segurando a mão da menina) Sabe aquele moço?
Menina: O da estrada?
Menino: Sim, o da estrada.
Menina: O dos cabelos longos?
Menino: Sim o da estrada.
Menina: O com o sorriso torto?
Menino: Sim o da estrada.
Menina: O da estrada com os cabelos longos e sorriso torto?
Menino: Sim o da estrada.
Menina: Eu sei o que irá me dizer, que ele conversou com você durante vinte minutos, e não disse nada, que você não o conhecia, mas ele te tratou com se fosse um velho amigo, que seu sorriso não lhe agrada, que seus cabelos pareciam reluzir de tanto óleo, e que por vezes teve ânsia de vômito por causa de seu hálito. Eu sei, eu senti o mesmo.
Menino: Não, eu queria dizer, que senti o mesmo de quando te encontrei lá naquele posto de informações, meus olhos se abriram como nunca, minha respiração parou por três segundos, minha testa franziu, minhas mãos suaram, meus lábios secaram, acho que o amei.
Menina: (Olhando por muito tempo para o Menino que está de olhos fechados e chorando) Eu já amei outras pessoas.
Menino: Eu o amei, mas já passou, eu queria que você soubesse que agora eu amo só você, e que nunca deixei de te amar, mesmo amando aquele moço, eu não sei o que me deu, mas o amei, como criança, como o primeiro amor, como um bicho ama sua cria, como a solidão ama seu solitário, como a alegria seu alegre, como o amor seu amado, como o rancor seu rancoroso, como a terra ama sua raiz, e como eu amo você. Desculpa-me.
Menina: Eu gosto que ame outras pessoas.
Menino: Mas eu tenho medo de te perder dentro de mim.
Menina: Eu também tenho medo de me perder dentro de você.
Menino: (Silêncio, silêncio maior, silêncio grande) Entendeu o meu sorriso?
Menina: Eu desconfiava.
Menino: E não ia me dizer nada?
Menina: Não, no fundo eu gosto quando sorri, você se tornou tão sério de uns tempos pra cá, que pensei até em lhe arranjar mais coisas para que ame.
Menino: Mas eu não quero amar mais coisas, nós nos bastamos.
Menina: Menino, não diga isso, é mentira, eu sei que me ama, e você sabe que eu te amo, mas não diga que nos bastamos, você está se segurando nas formigas para não ter que enfrentar minha palavras, e eu me seguro nelas para enfrentar sua ausência. Então não diga isso, por favor?
Menino: Mas eu acredito que as formigas podem ser bonitas sem aquele peso em suas costas.
Meninas: Elas podem e são. Para de se enganar, nós amamos outras pessoas sem escolhermos, eu percebi seu olhar para o moço, e parei de perceber se esse mesmo olhar estava para mim também, pois o meu já não está mais para você. Mas isso não torna nossa amor menos, só temos que reconhecer isso.
Menino: Eu tenho medo de te perder, e nunca mais te encontrar.
Menina: Vamos amando, e sempre te descubro nos amores dos outros, sempre há um sorriso que me lembra o seu, ou talvez até um comentário perdido, que me faz pensar que estou ao seu lado sempre, é assim, vamos vivendo.